23 setembro 2010

Descrevendo-se

Mais um trabalho, digamos, exótico da faculdade. A idéia era descrever-se, apenas o rosto, de forma densa (seja lá o que isto signifique). Ainda não tenho a nota deste trabalho, mas vai chegando um tempo em que a nota é uma das poucas coisas que realmente importam, tá compreendendo. E fora que esse blog tá muito jogado às moscas, preciso dar uma agitada nele. Segue.

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Um rosto jovem como um sábado à noite, de formato redondo como desenhos para colorir, com uma pele morena da cor da poeira da estrada, do trabalho no campo. Ainda assim, não se pode afirmar que este é um rosto negro, pardo ou fruto da miscigenação, pois a pele vai molhando a terra batida conforme a proximidade dos lábios umedecidos como lenços de papel para bebês. Estes lábios portam um sorriso agridoce, laranja, com um tom roseado como um chiclete de morango na parte inferior, e na outra parte um pouco mais escuro, como se cada parte da boca pertencesse a pessoas diferentes. 
Dos olhos é possível sentir o cheiro do verniz que caíra condensado, em gotas, por cima da única parte branca de todo o rosto. Neste único espaço em branco é possível enxergar pequenos rabiscos vermelhos e duas bolinhas negras, como se o desenhista tivesse se descuidado na arte final e tivesse esquecido de apagar os lugares por onde seu lápis passou. Acima dos olhos crescem pequenas folhas de um capim negro, indeciso, que vão formando um ângulo de 180º até se dissipar na terra. As olheiras que negras abaixo dos cílios curtos são como enxergar cinquenta anos vividos em cinco dias, um cansaço que contrasta com a imagem jovem da pele sem rugas.

Próximo ao nariz é possível encontrar ainda duas pintinhas, pequenos buraquinhos por onde o ouro negro tenta passar pela terra. No restante, não é possível encontrar nenhuma falha realmente aparente, pois as maçãs do rosto se escondem por trás de ariscas tranças. Uma a uma, vão construindo um mosaico de fios, curvas e espaços vazios, como uma floresta de eucaliptos contra a gravidade. As raízes são escondidas por um chapéu, feito cereja do bolo, completando a aparência rusticamente feminina, uma Xica da Silva dos anos 30.

1 Reações:

Oscar disse...

Um rosto jovem como um sábado à noite


Poesia pura,bruta,perfeita..Maravilha de texto pessoa,lindo de verdade...e por favor,vamos movimentar mais esse trem aki poxa....sinto falta dos teus textos jornalísticos/poéticos...=D


bjosss

 
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